O que é gostar de Japão no Brasil?

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É difícil figurar qual a noção de uma pessoa em uma cultura estrangeira tão diversa da Japonesa que possa dizer que entende perfeitamente a cultura Japonesa. Pensando nessa questão e na quantidade de preconceitos, problemas e mesmo questões diversas eu resolvi escrever tal texto. Não pretendendo desmanchar tais preconceitos e nem reafirmá-los, no entanto. Porém, eu não quero entrar no mérito da estranheza ou da aceitação de certos padrões culturais, de falar sobre a terrível e medonha relação com a mídia de animes e a suplantação da falta de relação afetiva, nem do sistema escolar deles.

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Digo, não quero classificar e nem dizer que pretendo entender ou pretender entender a cultura deles de todo. Ainda mais porque eu seria estúpido ao fazer isso com qualquer cultura. Mesmo a cultura americana ou inglesa cujo meu acesso é mais fácil e mais compreensivo pela quantidade de informação e por eu lhes dominar a língua e lecionar tal idioma formalmente como meu ganha pão.

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Imagine interpretar a cultura americana por meio do seriado Friends ou de Big Bang Theory. São atores reais, mas são situações exageradas. É muito mais real que um desenho, no entanto. Imagine entender a cultura americana, consertemos esse conceito e símile, por meio de Billy & Mandy, Tartarugas Ninja ou mesmo , Du, Dudu & Edu, Coragem o cão covarde ou mesmo Tom & Jerry.

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Ainda sim tal comparação seria falha, pois desses desenhos o único que mostra o mínimo do dia-a-dia de crianças (e mesmo assim só uma parte desse dia-a-dia e com as devidas alterações) seriam apenas dois ou 3 e nem tanto assim.

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Claro, essa comparação parece carecer de afeto intelectual e parece apenas acusar que animê não é nada mais que um desenho e, portanto, não deve ser levado à sério, mas seria ignorar o quanto aprendemos dessa cultura por meio de notas de rodapé, de notas de autores, de pesquisas e mesmo lendo a história efetivamente. Talvez, os seriados sejam um comparativo melhor, afinal de contas.

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Porém, alguém que pesquisasse cultura Americana por meio de
seriados não seria nada menos que um fanfarrão que gosta de assistir uma comédia de dia-a-dia e dos costumes, assim, como animê e tokusatsu são uma pequena parte da cultura Japonesa. Não, não pretendo falar aqui da ancestralidade da cultura, mas antes o quanto nos fogem outros espectros e, principalmente algo que a cultura Brasileira nos ensina melhor que todas as outras ( a nossa, do dia-a-dia): compreender uma cultura é estar inserido nela, viver ela: de verdade, na pele.

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Desculpem, mas eu sou nacionalista o bastante pra achar que Brasil não é futebol e samba, mas muitos de vocês dirão que é novela, também, mas ninguém se lembra dos escritores, afinal, eles são enfadonhos. Tudo é cultura, mesmo aquilo que você ama e odeia o que você consome ou não, o que você entende ou não.

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Alguém aqui, já se dignou a ouvir RAP brasileiro? Um rap do bom chamado Criolo Doido. Duvido muito, e esse tipo de postura de não conhecer a própria cultura é uma característica da própria cultura Brasileira. E, isso, minha gente, é cultura também, por mais que eu tenha ódio desse aspecto cultural brasileiro. Isso é algo meu e de muita gente, mas estamos nos afastando do tópico.

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Recentemente comprei um livro de um antropólogo francês chamado Claude Levi-Strauss cujo título é “A outra face da lua”. São ensaios sobre o Japão feitos por um dos mais respeitados etnólogos do mundo: um eminente cientista francês. O ponto importante é que ele mesmo assume duas posturas parecidas com as minhas e das quais tomo partido:

– É preciso viver a cultura do país e não apenas ter feito algumas viagens, mas o importante é ter estado lá. Fazer parte da cultura no dia-a-dia é um aspecto crucial para o entendimento profundo da cultura, posturas e etc. A religiosidade se dá no dia-a-dia e, acreditem japoneses são religiosos. Isso fica evidente em qualquer peça de ficção deles.

– Conhecer a língua. Sério, gente. Desculpe, mas mesmo os etnólogos sabem o quanto isso ajuda na hora de nos inserirmos na cultura. A língua assim como folclore faz parte desse legado cultural que tem haver com o tal pretenso espírito dos povos: ele se chama língua.

Portanto, a questão que formulo vai se delineando em tais aspectos que reformulo para fazer com que o entendimento seja breve:

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a. Para entender uma cultura não basta ter acesso à cultura de massa dos mesmos, embora, seja uma parte da cultura deles.

b. Fazer parte do dia-a-dia e não desprezar nenhum aspecto cultural mesmo aqueles que me parecem estúpidos, idiotas ou mesmo ultrajantes: continua sendo cultura.

c. A língua faz parte dos mitos, do legado cultural e ele é indispensável para a compreensão da cultura de maneira plena e perfeita.

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Podemos chegar a outro aspecto um tanto dolorido com relação á isso: estamos alienados de uma cultura quando ela não faz parte do nosso dia-a-dia. Claro, a cultura americana é uma notável exceção, mas o sistema de sociedade é deles: os donos do mundo e definidores de padrões. O que podemos dizer de uma cultura extravagante estrangeira que se fecha em si mesma e que só pode ser acessada por meio de downloads ilegais ou publicações de mangá e seriados ou mesmo livros esparsos?

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Aliás, eu lanço uma questão: seria a música dois de cinco compreensível para quem estaria fora de São Paulo ou do Brasil? Duvido muito e, pra mim, é característico demais que só vivendo o dia-a-dia uma peça de cultura crítica só possa ser entendida pelos seus concidadãos. Pensem em quantos animês (uma peça cultural simples, minimamente falando) seja incompreensível quando ela fala de Zen Budismo, confucionismo ou outros aspectos característicos da religiosidade deles.

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Peguemos outra característica bizarra: a cultura francesa prega que por meio das palavras a filosofia pode apreender o mundo e acredita que a progressão do texto possa desenvolver conceitos que tomem conta da realidade. O confucionismo e o Budismo e outros aspectos da Ásia, e isso não é apenas Japão, ainda bem; evitamos o estereótipo falacioso do outro lado do mundo = o contrário de nós. Porém, na filosofia ela é contrária, a religiosidade é um sincretismo de filosofia, sabedoria, dizeres e filosofia, mas não como a grega, definidora de conceitos, portanto, não é filosofia: é religião. Porém, não é mito, então é filosofia: fica no meio termo dos dois. Não há progressão dessa filosofia, as palavras não podem definir o universo afinal: O Tao é tudo, o Tao não é nada, o Tao está em todos os lugares.

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Lembro ainda de um estudo super-conceituado sobre um Japão que não existe mais: O crisântemo e a espada. A maioria desses aspectos de um Japão pós-guerra não passam de curiosidades, bizarrices e o registro de um Japão que não existe mais. Pior: a pesquisadora (ou pesquisador) nunca esteve lá, mas é um ensaio clássico mesmo considerando sua descrição bizarra sobre um Japão muito específico que nunca eu vi e nem você. É um registro do pitoresco, no máximo.

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Ainda me pergunto: e as obras da literatura, os tratados de filosofia e escolástica e etc? Isso constituí, isso sim, um registro efetivo dessa cultura, porém, para uma efetiva compreensão teríamos de aprender japonês para não dependermos de traduções e o processo de aculturação devido ao intermédio de uma língua por outra para a cultura original.

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5 Responses to O que é gostar de Japão no Brasil?

  1. Guilherme says:

    Muito bom. Só acho que podia ter menos imagens. xD
    Uma opiniao breve: Quando se fala de Japão e China, a compreenção do idioma é um ponto crucial. Ela constiui singularidades importantíssimas da cultura de ambos, além de acrescentar muito a um estudo. A leitura de um registro da história japonesa lido em japonês tem muito mais a crescentar do que teria uma tradução, por mais precisa que fosse.

  2. Em geral, eu concordo bastante. Pra conhecer de verdade uma cultura, é preciso entrar em contato, principalmente cultura regional. Mas certas particularidades não se faz necessário pisar no país de origem pra poder falar com propriedade sobre o assunto. Pelo contrário, periga da pessoa que estudou e pesquisou saber mais sobre aquilo do que um nativo. Por exemplo, determinados aspectos da indústria de um país. Você estando lá, certamente obterá uma analise ainda mais profunda pela possibilidade de pesquisa ampliada, mas na maioria dos casos, se pega o essencial para ter uma miníma base argumentativa.

    • Tem muitos estudos antropológicos que pregam isso, mas eu digo: para entender o que é viver nesse contexto só estando lá. Sobre O crisântemo e a espada: continua sendo um excelente estudo, mas um pouco datado.

  3. A cultura japonesa é difícil de assimilar por culpa deles mesmo. Idioma complexo, tudo o que é feito é feito somente pra eles, nós temos que nos adaptar ao que ele produzem (veja o exemplo dos americanos: no cinema, em nome do bolso e de uma moral perdida mas que eles fazem questão de dizer que têm, aumentaram o número de latinos e asiáticos nos seus filmes). O turista que vai pra lá quase sempre tem a noção de que não é bem vindo no país. Quase tudo que eles fazem tem o Xintoísmo por trás, sob máscara de cultura. só recentemente viram que precisam ser mais abertos ao mundo no que diz respeito as relações pessoais, principalmente por causa da Olimpíada que será lá em 2020, mas antes por causa dos escritores de novels e mangás que perceberam que podiam ganhar mais se produzissem algo para atrair os estrangeiros.

    Vale lemrar que as séries mais aclamadas fora do Japão são séries que não embutem religiões asiáticas na cara de quem assiste e têm personagens dentro do parâmetro do que o estrangeiro entende. Naruto é um japonês loiro de olho azul.

    O turista ou o que pretende viver por lá, a menos que chegue mostrando a que veio, não terá vez por lá. E o que fico pensando aqui é que os brasileiros (boa parte) não são bem vistos no país pelo o que eles aprontam (ou dizem que aprontam por lá), mas o que tem de anime com personagem com nome brasileiro… já vi Raul, Marcelo… séries com termos da nossa língua (como SnO FORTE).

    Muito do que a cultura japonesa tem não pode e nem será aproveitada por nós, até porque tem coisas lá sem noção mesmo. Mas que o brasileiro precisa de exemplos, ainda que de outros países, de como viver, se comportar, se relacionar, ter amigos corretos, se preparar pra constituir família, a envelhecer…

    Enquanto que aqui, o lema é ‘estude pra ser alguém’, ao invés de ser ‘alguém grande’. Ser um consumidor de porcarias que vemos nos comerciais da TV e programas,
    assistir futebol e novelas e tudo bem! O Japão é o Japão que conhecemos por causa das Olimpíadas de 64 e não pela bomba atômica que tomou!

    Só nos resta tentar pinçar alguma coisa de bom do que vem de lá, ensinarmos nossos filhos baseados no que não aprendemos na escola, mas está escancarado nos slice-of-lifes que vivemos assistindo por exemplo.

    Fora do contexto do post, não posso deixar de comentar sobre o podcast de vocês sobre Bakemonogatari: Se a série não vingou no Brasil, é porque a NOSSA cultura preguiçosa de leitura não permite. As pessoas gostam de Naruto, por exemplo, mas não lêem muito, é bem pouco e, se não ler, até dá pra entender o contexto da cena. Isso não é o caso de Bakemonogatari, que você é obrigado a ler todos os textos e diálogos pra entender. Desde cedo (infelizmente) aprendemos que ler é muito chato e crescemos com isso. Quando vemos uma cena de ação de um anime, simplesmente ignoramos os textos sem querer e até nisso o Bakemonogatari é diferente, nós temos que ler o texto até pra entender a ação do mesmo quando tem. Se os animes que todo mundo gosta tivessem tanta coisa pra ler, não seriam tão famosos assim. E Bakemonogatari, pra mim, é uma legítima light novel animada, ou seria um anime tipo light novel…

    Ah, e desculpe o texto grande…

    • Sí vi agora, depois que postar o novo texto dou uma olhada melhor no seu comentário e adiciono seu blog aqui ao meu feed. Fã de Spice and Wolf e com uma opinião com bases sociais bem formadas. Tava sentindo falta de um leitor com mais formação e opinião. Já já lhe falo. Desculpe a imensa demora em responder ao seu texto.

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